Auxílio-moradia dos médicos residentes

O direito mais negligenciado pelas instituições de ensino da saúde no Brasil

O AUXÍLIO-MORADIA É DIREITO PREVISTO EM LEI

A Lei nº 6.932/1981, após as alterações inauguradas pela Lei nº 12.514/2011, passou a impor aos serviços de saúde a obrigação de fornecer, além da alimentação e condições adequadas para repouso e higiene pessoal durante os plantões, o pagamento do auxílio-moradia aos médicos residentes, conforme estabelecido em regulamento da instituição.

Veja-se, a propósito, a literalidade do que dispõe o artigo § 5º, da Lei nº 6.932/1981, in verbis:

“(…) § 5o A instituição de saúde responsável por programas de residência médica oferecerá ao médico-residente, durante todo o período de residência(Redação dada pela Lei nº 12.514, de 2011)

I – condições adequadas para repouso e higiene pessoal durante os plantões; (Incluído pela Lei nº 12.514, de 2011)

II – alimentação; e (Incluído pela Lei nº 12.514, de 2011)

III – moradia, conforme estabelecido em regulamento. (Incluído pela Lei nº 12.514, de 2011)

(…)”

Trata-se de benefício que garante ao médico residente o direito de receber uma ajuda financeira para custear despesas com moradia durante o período de aperfeiçoamento da formação médica, a fim de que os profissionais tenham condições de viver com dignidade e conforto, especialmente quando precisam se deslocar para outra cidade ou região para realizar a residência.

AS INSTITUIÇÕES DE ENSINO VEM DESCUMPRINDO A LEI

Ocorre que poucas são as instituições de ensino que pagam o referido benefício. Quando muito, possuem um regulamento que torna quase impossível o acesso do médico residente ao benefício ou condicionam o pagamento ao fato do profissional ter mudado de cidade para cursar o Programa de Residência.

OS TRIBUNAIS TÊM DECIDIDO A FAVOR DOS MÉDICOS RESIDENTES

A mora das instituições de ensino, mesmo após quase 12 anos de edição da Lei nº 12.514/2011, que tornou obrigatório o pagamento do benefício, tem motivado um aumento da judicialização do tema, tendo os Tribunais decidido reiteradamente em favor do direito dos médicos residentes.

Veja-se, a propósito, o trecho de aresto abaixo, verbis:

ADMINISTRATIVO. AUXÍLIO-MORADIA. RESIDÊNCIA MÉDICA. DESCUMPRIMENTO OBRIGAÇÃO DE FAZER. INDENIZAÇÃO. 1. O descumprimento da obrigação da instituição responsável pelo programa de residência médica em fornecer alimentação e moradia gera o direito à indenização. 2. A mera alegação de que a Universidade oferece vagas a estudantes de graduação ou pós-graduação por meio do Programa Nacional de Assistência Estudantil – PNAES é insuficiente para reconhecer atendido o fornecimento de moradia ao médico durante o período de participação no Programa de Residência Médica. 3. O Programa de Moradia Estudantil está inserido dentro do Programa Nacional de Assistência Estudantil – PNAES regulamentado pelo Decreto nº 7.234/2010 que possui objetivo específico ao atendimento de estudantes regularmente matriculados em cursos de graduação das instituições federais de ensino superior (art. 3º), com atendimento prioritário aos estudantes oriundos da rede pública de educação básica ou com renda familiar per capita de até um salário mínimo e meio (art. 5º). E, além disso, possui limitação de vagas e depende de inscrição do candidato em Edital específico. 4. Portanto, o oferecimento de vaga na Casa do Estudante ou auxílio moradia ao estudante de baixa renda não é suficiente para demonstrar que o direito de moradia aos médicos residentes esteja garantido no âmbito administrativo, já que o Programa de Moradia Estudantil indica público específico, limite de vagas, além de elencar uma série de requisitos a serem preenchidos, os quais sequer constam da legislação de regência do Programa de Residência Médica. 5. A sentença deve ser reformada para julgar parcialmente procedente o pedido de pagamento de auxílio-moradia no período em que o recorrente participar do programa de residência médica – fixando-se o valor mensal no percentual de 30% sobre o valor da bolsa-auxílio paga ao médico-residente – e enquanto restar descumprida a obrigação de fazer por parte da Universidade ré. 7. Recurso do autor provido em parte. (TRF-4 – RECURSO CÍVEL: 50064165620204047110 RS 5006416-56.2020.4.04.7110, Relator: JOANE UNFER CALDERARO, Data de Julgamento: 03/09/2021, QUINTA TURMA RECURSAL DO RS)

Observe-se que, no caso acima, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região fez constar expressamente que eventuais Programas de Moradia que contenham a indicação de público específico, limite de vagas e requisitos não previstos na Lei que dispõe sobre as atividades do médico residente (Lei nº 6.932/1981) não podem ser suscitados como óbice ao pagamento do benefício aos médicos residentes.

O VALOR DA INDENIZAÇÃO

Outro ponto de destaque diz respeito ao valor da indenização em pecúnia pelo direito à alimentação e moradia durante a residência médica.

Conquanto inexista critério legalmente previsto, os Tribunais, em interpretação razoável e proporcional, têm se posicionado no sentido de que a indenização deve ser paga no importe mensal de 30% do valor da bolsa de residência médica.

Nesse sentido, calha invocar os seguintes trechos de arestos, verbis:

E M E N T A ADMINISTRATIVO. MÉDICO RESIDENTE. LEGITIMIDADE PASSIVA. UNIÃO (AGU). AUXÍLIO ALIMENTAÇÃO. AUXÍLIO MORADIA. CONVERSÃO EM PECÚNIA. LEI 6.932/81 ALTERADA PELA LEI 12.514/11 PASSOU A PREVER EXPRESSAMENTE O PAGAMENTO DE TAIS AUXÍLIOS. 1. Trata-se de recurso inominado interposto pela corré UNIÃO, em face da sentença que julgou parcialmente procedente o pedido, para condenar a parte ré a pagar à parte autora indenização em pecúnia pelo direito à alimentação e moradia durante a residência médica exercida em período pretérito, no importe mensal de 30% do valor da bolsa de residência médica. 2. A UNIÃO (AGU) alega a preliminar de ilegitimidade passiva, porque o pagamento caberia exclusivamente à instituição de saúde. Argumenta que o auxílio moradia não se confunde com a obrigação legal de fornecer moradia. A Lei nº 6.932/81, ao disciplinar a atividade do médico residente, não traz a previsão de fornecer o auxílio moradia. Norma de eficácia limitada. Afirma que a autora não tem gastos como moradia nem deslocamentos, por residir na mesma comarca na qual exerce suas atribuições. 3. Legitimidade passiva da União: o valor da Bolsa de Estudos foi pago pelo Ministério da Saúde, por meio de conta salário. A partir da Lei 12.514/11 (que alterou a Lei 6.932/81) passou a ser devido ao médico plantonista o pagamento de auxílio moradia e auxílio alimentação, ainda que resida na mesma comarca das atribuições. 4. Na linha dos precedentes do STJ é possível a conversão em pecúnia dos valores não pagos do auxílio alimentação e do auxílio moradia. 5. Considerando a Lei nº 8.213/91, com previsão de desconto até 30%, e a Lei nº 8.112/90, afigura-se razoável o valor mensal de 30% sobre a bolsa auxílio como montante a ser pago em pecúnia a título de auxílio alimentação e auxílio moradia. 6. Recurso da parte ré que se nega provimento. (TRF-3 – RecInoCiv: 00024558720214036302 SP, Relator: Juiz Federal FERNANDA SOUZA HUTZLER, Data de Julgamento: 10/06/2022, 14ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo, Data de Publicação: DJEN DATA: 23/06/2022)

EMENTA ADMINISTRATIVO. AUXÍLIO-MORADIA PARA MÉDICO RESIDENTE. POSSIBILIDADE. ARBITRAMENTO DE VALOR MENSAL. 1. Esta Turma já teve oportunidade de apreciar a matéria no julgamento do RECURSO CÍVEL Nº 5051077-63.2014.4.04.7100/RS, no qual, em juízo de retratação, proveu-se o recurso da parte autora, para arbitrar o valor mensal de 30% sobre o valor da bolsa-auxílio paga ao então médico-residente, devido em todos os meses de duração do programa, ainda que sem comprovação nos autos dos valores eventualmente despendidos a título de moradia e alimentação. 2. A controvérsia foi pacificada pela TNU no julgamento do PEDILEF 2010.71.50.027434-2, DJ 28/09/2012. 3. A jurisprudência do STJ, seguida por este Colegiado, é no sentido de que a fixação do valor da indenização em casos como este demanda a análise de elementos fático-probatórios a fim de garantir ‘resultado prático equivalente’ ao auxílio devido (( REsp 1339798/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 21/02/2013, DJe 07/03/2013) 4. Embora a parte autora não tenha apresentado nos autos quaisquer provas que permitam aferir os valores que eventualmente tenham sido despendidos a título de moradia e alimentação no período em que cursou a residência médica ou outros elementos que levem a esta conclusão, a TNU determinou que houvesse o arbitramento de tais valores. 5. Considerando a dificuldade de se encontrar um parâmetro factível para ser utilizado, fixa-se o valor mensal no percentual de 30% sobre o valor da bolsa-auxílio paga ao então médico-residente, devido em todos os meses de duração do programa. Este percentual é o que esta Turma Recursal considerou razoável a assegurar o resultado prático equivalente ao auxílio-alimentação e moradia em questão, quando do julgamento dos Recursos Cíveis nº 50510759320144047100 de Relatoria do Juiz Federal Giovani Bigolin e 50041991220164047100, de Relatoria do Juiz Federal Oscar Valente Cardoso (em juízo de retratação), na sessão de 31/08/2017. 6. Destarte, a sentença merece reforma, para se julgar procedente o pedido de pagamento de auxílio-moradia no período em que participou do programa de residência médica, fixando-se o valor mensal no percentual de 30% sobre o valor da bolsa-auxílio paga ao então médico-residente. (TRF-4 – RECURSO CÍVEL: 50361891620194047100 RS 5036189-16.2019.4.04.7100, Relator: ANDREI PITTEN VELLOSO, Data de Julgamento: 06/05/2020, QUINTA TURMA RECURSAL DO RS)

ATÉ QUANDO É POSSÍVEL PLEITEAR A INDENIZAÇÃO?

As ações judiciais com o objetivo de pleitear o pagamento do benefício de auxílio-moradia podem ser ajuizadas tanto durante o período da residência quanto posteriormente ao seu término.

Neste último caso, porém, deverá ser observado sempre o período de prescrição, que é de 5 anos contados da data em que a prestação se tornou devida.

CONCLUSÃO

Todos os médicos residentes devem ter conhecimento dos seus direitos garantidos pela Lei 6932/1981, visando assegurar condições de trabalho e formação adequadas.

É fundamental que as instituições de saúde respeitem esses direitos, promovendo a segurança e o bem-estar dos residentes.

Caso alguma violação ocorra, é importante buscar orientação jurídica e tomar as medidas cabíveis para exigir o cumprimento dos direitos. Com efeito, a garantia dos direitos dos médicos residentes é essencial para fortalecer a formação médica e proporcionar um atendimento de qualidade aos pacientes.

Fonte: https://www.jusbrasil.com.br/artigos/auxilio-moradia-dos-medicos-residentes/1895437261

Ainda com dúvidas? Fale agora com um especialista diretamente no WhatsApp:

Compartilhe:

Últimos Posts:
Pensão Alimentícia

Pensão Alimentícia

Vocês conhecem seus direitos no tocante a uma Pensão Alimentícia? Em um primeiro momento é importante falar que a pensão…
Lei do Superendividamento

Lei do Superendividamento

A lei foi sancionada, o que muda para o consumidor? No dia 01/07/2021, foi sancionada a Lei do Superendividamento, Lei…
Auxílio-moradia dos médicos residentes

Auxílio-moradia dos médicos residentes

O direito mais negligenciado pelas instituições de ensino da saúde no Brasil O AUXÍLIO-MORADIA É DIREITO PREVISTO EM LEI A…
Fernanda Kilppe Advocacia
Visão geral da privacidade

Este site usa cookies para que possamos fornecer a melhor experiência de usuário possível. As informações de cookies são armazenadas em seu navegador e executam funções como reconhecê-lo quando você retorna ao nosso site e ajudar nossa equipe a entender quais seções do site você considera mais interessantes e úteis.